Chegamos ao espaço Karnart e pensamos, é aqui? Sim, é aqui. Um pequeno átrio, uma escadaria íngreme. A senhora passa-me os bilhetes, estamos autorizados a subir os degraus de madeira escura. Lá em cima um pequeno bar onde bebemos café em copos de plástico. Ouve-se algum jazz... Sentamo-nos nas cadeiras de pau espalhadas pelas paredes da sala e ficamos confortavelmente a comentar as antigas mesas de autópsias para animais. Cheirava a incenso e a hora do espectáculo ia-se aproximando.
Pedem-nos silêncio e convidam-nos a entrar, a olhar e a mexer (com cautela, pois está claro). Lá dentro, encontrava-se montado um enorme cenário cheio de pequenos detalhes, pormenores ínfimos apenas detectáveis com a ajuda de uma lupa.
Os personagens permaneciam imóveis, como se fossem, também eles, peças daquele mórbido mobiliário. Estavam as premissas lançadas para aquilo que viria a ser um intenso espectáculo de sensações visuais, tácteis, auditivas.
Toca uma sineta, aí vem o cicerone. Quebra-se, de repente, o fascínio. Dizem-nos o que é aquilo tudo. Não, não é fantasia. São peças colocadas de uma determinada forma, para provocar um determinado efeito. É apenas uma instalação museológica.
Dois minutos de desapontamento. Contudo, este cicerone vai-se transformando lentamente em personagem e regressamos, inevitavelmente, a um mundo fantástico e visceral. Movimentos lentos de fantasmas, sons humanos de quem palita os dentes, fezes e urina, dor. Tudo ganha vida e nós concretizamos de imediato o sonho de sermos moscas. Somos apenas insectos espiando os espaços. Podemos ir daqui para ali, voltar aqui, olhar pelo canto do olho para a rua, cheirar mais uma vez o incenso. Tornamo-nos íntimos daqueles seres estranhos, partilhamos com eles o ar, sentimos o sopro constante da sua respiração sabendo que estão mortos. Sentimo-nos nus junto da nudez deles. Somos humanos apesar de tudo.
Saí nervoso, apetece-me voltar! Muito muito bom.
http://www.karnart.org/#
Saturday, November 3, 2007
visões sobre o cemitério de pianos - perfinst
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1 comment:
será possível sentirmo-nos envolvidos pela peça,sentirmo-nos também nós cúmplices da frieza da sala, e da nudez dos corpos, sem termos alguma vez lá estado? sim, se a descrição fôr tão boa como a que fizeste:)
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