Friday, November 23, 2007

o homem, a máquina e...

Um Homem: Klaus Klump, A máquina de Joseph Walser. Escrita cruel... não cruel, mas crua. Sem floreados ou hesitações, Gonçalo M. Tavares, transporta-nos para um ambiente de guerra, decadente e humano. Somos embrenhados nas histórias de Homens comuns, altos ou baixos, Grandes ou insignificantes. As suas paixões atemorizam-nos, demasiado viscerais ou descomprometidas. Será que M. Tavares alguma vez assistiu à guerra? Ficaria espantado se o autor destes livros nunca tivesse estado debaixo de fogo, pois ele é capaz de transmitir uma ideia demasiado concreta do seu ambiente para ser fruto exclusivo da imaginação.
Fiquei completamente absorvido por estes livros, são reais e concretos sem que, com isso, se tornem banais. Uma escrita que mete a primeira e arranca. Frases curtas e espaços em branco põem-nos em estado de alerta com uma facilidade incrível. Em Klaus Klump a imprevisibilidade assustadora faz-nos ficar incrédulos com o que lemos. Em Joseph Walser temos mais tempo, exploramos mais a profundidade da personagem. O espaço não é diferente.
"A claridade é uma coisa que te bate como um pau, não é algo que caia sobre ti."
Obrigado, Inês.

Monday, November 5, 2007

media

Na sexta feira passada fui visitar, no museu do chiado, uma exposição sobre os novos media. Esta visita fez-me reflectir sobretudo acerca da nulidade do ser humano perante um ecrã seja ele de que aparelho for. Despimo-nos do "eu" para tomar unicamente o espaço do espectador.
Na América do Norte, na década de 60, fazia-se uma experiência que consistia na colocação, a meio dos anúncios publicitários, de 30 segundos de pessoas comuns filmadas a olhar para o televisor (ou neste caso para a câmara) fazendo com que o espectador da cadeia de televisão, em sua casa, se visse reflectido naquela postura absolutamente vegetal e envergonhante.
Pessoalmente, acharia fantástico se voltassem a mostrar este tipo de "anúncios" para despertar a massa. Seriam interessantes simplesmente para nos fazer pensar, "será que não tenho nada mais interessante para fazer? olha para mim...". Claro que este tipo de sentimentos são altamente indesejáveis para quem gere os grandes canais de televisão. Pena que assim o seja...
O que seria a televisão ideal? Seria o espelho da sociedade ou, talvez numa visão mais platónica, a visão do melhor que a sociedade teria para oferecer de forma a moldar os comportamentos no sentido ascende?
Ouvi, hoje, David Buckingham afirmar que os media em geral (e a televisão em particular) criam um enorme paradoxo: por um lado, dão poder às pessoas através da informação, tornando-as cidadãos mais conscientes; por outro lado, retiram-lhes o poder de decisão individual. O que ser, onde estar e o que comprar passam para a esfera do colectivo.
Somos tão pequenos para lutar contra esta corrente, e tão grandes para a perpetuar...

Saturday, November 3, 2007

visões sobre o cemitério de pianos - perfinst

Chegamos ao espaço Karnart e pensamos, é aqui? Sim, é aqui. Um pequeno átrio, uma escadaria íngreme. A senhora passa-me os bilhetes, estamos autorizados a subir os degraus de madeira escura. Lá em cima um pequeno bar onde bebemos café em copos de plástico. Ouve-se algum jazz... Sentamo-nos nas cadeiras de pau espalhadas pelas paredes da sala e ficamos confortavelmente a comentar as antigas mesas de autópsias para animais. Cheirava a incenso e a hora do espectáculo ia-se aproximando.
Pedem-nos silêncio e convidam-nos a entrar, a olhar e a mexer (com cautela, pois está claro). Lá dentro, encontrava-se montado um enorme cenário cheio de pequenos detalhes, pormenores ínfimos apenas detectáveis com a ajuda de uma lupa.
Os personagens permaneciam imóveis, como se fossem, também eles, peças daquele mórbido mobiliário. Estavam as premissas lançadas para aquilo que viria a ser um intenso espectáculo de sensações visuais, tácteis, auditivas.
Toca uma sineta, aí vem o cicerone. Quebra-se, de repente, o fascínio. Dizem-nos o que é aquilo tudo. Não, não é fantasia. São peças colocadas de uma determinada forma, para provocar um determinado efeito. É apenas uma instalação museológica.
Dois minutos de desapontamento. Contudo, este cicerone vai-se transformando lentamente em personagem e regressamos, inevitavelmente, a um mundo fantástico e visceral. Movimentos lentos de fantasmas, sons humanos de quem palita os dentes, fezes e urina, dor. Tudo ganha vida e nós concretizamos de imediato o sonho de sermos moscas. Somos apenas insectos espiando os espaços. Podemos ir daqui para ali, voltar aqui, olhar pelo canto do olho para a rua, cheirar mais uma vez o incenso. Tornamo-nos íntimos daqueles seres estranhos, partilhamos com eles o ar, sentimos o sopro constante da sua respiração sabendo que estão mortos. Sentimo-nos nus junto da nudez deles. Somos humanos apesar de tudo.
Saí nervoso, apetece-me voltar! Muito muito bom.



http://www.karnart.org/#